as multitudes da escrita

Que poder é este que a escrita tem? Separa-nos os pensamentos, faz uma digestão lenta de sentimentos e deixa-os bem trituradinhos. Um. Por. Um. O ar até fica mais leve, não é? O ar e nós.

Sinto que a escrita é uma reciclagem abstrata. Damos-lhe uma coisa, ela processa-a, entrega-nos outra. Geralmente muito melhor, transparente, sem pesos e tensões acumuladas. 


É também um bocadinho ladra, ela. Leva tudo. Principalmente o que não podemos dizer a alguém - porque às vezes é assim. Volta e meia, as coisas que mais queremos dizer, e precisamos mesmo de dizer, não são ouvidas. Solução? Escrevemo-las. Recomendado por terapeutas deste mundo fora e comprovado por pacientes que só queriam deitar tudo cá para fora. Quantas palavras foram queimadas porque não podiam ser entregues ao destinatário final? 

Por falar em destinatário, para mim, a escrita também funciona como agência de viagens. Vamos aqui e ali sem sair do sítio. Mais barato também. As horas passam e, do nada, estive dentro de tantas vidas, casas e lugares que imaginei.

Que arte esta, que universo em expansão. Pode ser tanta coisa, pode ser todos nós. E é, sempre, um bocadinho de nós. 

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